sexta-feira, 3 de julho de 2009

diferenças

Eu acho que sempre fui inquieto, desde fetozinho até hoje. Dava um baita trabalho para minha avó, pulava do berço, batia a cabeça em tudo, estava sempre procurando um lugar mais alto para pular e escalar. Conforme ia crescendo, cresciam juntos os desafios e o número de machucados. E é claro, minha raiva pelos gatos.

Eles eram os maiores desafiadores possíveis. Eu brincava com outras crianças, mas não era a mesma coisa, elas eram fáceis, e os gatos, bem, os gatos eram sarcásticos e maldosos. Eu queria superá-los de toda forma, corria no meio-fio, pulava de um lugar a outro tentando a perfeição no equilíbrio, entocava quieto a fim de me esconder sem que pudessem me perceber, e por aí vai. Não fui das crianças mais normais.

Leite era o que me fazia levantar da cama de manhã, voltar para casa a tarde e dormir a noite. O animal que queria ser quando pequeno era um tigre. Sempre fui independente, nunca precisei de ninguém para brincar ou me ajudar com alguma coisa. Gosto muito de carinho, a carência também sempre me rondou. Impetuoso, exibido, folgado... Semelhanças e gostos parecidos demais por algo que odiava.

Lembro que uma vez eu estava escalando uma árvore tentando alcançar um gato branco. Não estava tão alto. Cheguei até ele e ele não correu, então eu o empurrei, não com maldade, mas para observar como ele caia em pé. Como eu achava aquilo perfeito. Pulei também e só ouvi o som abafado da terra contra meu corpo. Estropiado no chão, olhei para cima, e o gato olhava para baixo. Diferenças.


[Fiquei ali, no meu lugar, por um tempo.]

quinta-feira, 2 de julho de 2009

maior que eu

Alguns garotos gostavam de maltratar passarinhos, de preferência pombas, mas pombas são indefesas, covardes, sem graça. Além do que, lá na rua também tinha a “velha dos pombos”, lendária personagem que defendia ardorosamente os ratinhos voadores, e ela era meio maluca e enchia o saco. Uma vez taquei uma pedra na janela dela. Ninguém nunca soube que fui eu.

Sempre gostei de escalar lugares altos, nunca parei para pensar o porquê, ouvi dizer que é sonho de alpinista: uma conquista depois de outra conquista. Quando era menor essa era minha febre, escalar. Talvez para me sentir maior que todo mundo. E eu me sentia. O complicado era descer, eu nunca pensava na descida. Nunca tive medo, mas era foda.

Eu era muito competitivo e sempre desafiava o gato mais ligeiro e habilidoso para uma boa escalada. Eles, muito espertos, sempre topavam com aquele olhar malicioso e o sorriso malandro. Na minha inocência eu achava que iria ganhar um dia, que eu seria maior, que eu seria melhor que qualquer gato. Nunca cheguei tão alto quanto um felino, e isso me irritava mais ainda em relação a eles. Eu sempre gostei de desafios, de enfrentar algo maior que eu. E é como eu vejo os gatos até hoje, maiores que eu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

primeiros gatos

Quando eu era pequenino eu odiava gatos, e minha rua era infestada deles. Tinha pomba, cachorro, passarinho, rato, mas o que me incomodava eram os malditos gatos. Eu morava com meus avós numa ladeira no bairro da Saúde, em São Paulo, e tinha uma vizinha no topo da rua que tinha uns 10 gatos de todos as formas e tipos e raças. Vira e mexe nos cruzávamos e nos atacávamos.

Eu devia ter uns oito ou nove anos quando a guerra foi declarada. Eu fazia de tudo para atazanar qualquer gato, imaginando que ele nunca revidaria. Sacudia, chutava, amarra latinha, cortava o bigode, dava nó no rabo e ele sempre fugia tão quieto quanto aparecia. Até as batalhas ficarem mais sérias.

Quando um bichano se enfeza, meus amigos, a melhor coisa a fazer é chutá-lo pra longe e correr o mais rápido que você puder correr. Claro que NÃO foi o que eu fiz. Minha doce avozinha sempre me assistia da calçada quando eu brincava na rua, mas não eram todos os lugares que seus olhos alcançavam. O que eu fazia escondido aquele dia eu queria ter feito às claras para que logo em seguida viessem me salvar da emboscada que eu arrumei pra mim mesmo.

Gatos não revidam, quase nunca, e foi nesse “quase” que eu paguei os meus pecados. Lá estava eu pimpão bolando alguma maldade quando me deparei com um dos gatos e já fui logo pra cima, só que dessa vez ele não correu. Eu apanhava muito quando era criança, e essa foi uma surra diferente, eu acabei com o gato e ele acabou comigo. Desci a rua sangrando e todo arranhado segurando as lágrimas em busca de consolo. Eu sei que ele também fez o mesmo. Eu odiava gatos e tinha certeza que eles me odiavam também, e hoje, com 22 anos, percebi que brigávamos mas nos entendíamos no desentendimento.